Em
comemoração ao folclore brasileiro, todos os anos, em meados do mês de agosto
se trabalha nas escolas lendas, parlendas, entre outras manifestações
culturais. Em meu primeiro ano de docência, a escola em que trabalhava na época
decidiu por ainda encerrar o bimestre com cada turma apresentando uma peça de
teatral. Foi um dos momentos mais ricos de aprendizagem cultural para as
crianças. E, particularmente, para a minha turma, também foi um período de
fortes aprendizagens político-sociais: nossa turma escolheu apresentar a obra “Os
10 Sacizinhos”, de Tatiane Belinky.
Entre
as nossas aprendizagens sobre diversas histórias da cultura popular,
trabalhamos com Tarsila do Amaral e as suas representações da figura da Cuca e
a expressão da lenda relacionada a outras obras da artista, que se remetem ao trabalho. Trabalhamos também com
Sítio do Pica-pau Amarelo, de Monteiro Lobato e todas as possíveis discussões e representações
sociais e imaginativas presentes; inclusão social com questões referentes ao
racismo, negritude, pessoas com deficiência e o uso de drogas. E para além
disso, ainda deu para trabalhar sobre a realidade de crianças de rua.
O
que quero chamar a atenção para esta postagem, não se remete em especial ao
quanto aprendemos naquele bimestre (especialmente eu, como professora). Mas
sim, a realidade de muitos Sacis presentes em nossa sociedade. Sempre tive um
incomodo muito grande da figura travessa retratada ao menino peralta de uma
perna só. Sempre me apareceram questões sobre o fato de ser uma
criança órfã, cuidada e ajudante de uma figura folcloricamente temida: a Cuca.
Comecei a procurar associações dos nossos meninos de rua com o
Saci, sem sucesso de encontrar qualquer estudo fazendo relações, após descobrir em meus estudos que os botos cor-de-rosa existem entre os
povos Amazônicos, disfarçando a violência que meninas adolescentes, jovens moças, mulheres sofrem dos homens familiares ao seu convívio.
O
Saci está presente em nossa realidade como os meninos peraltas, esquecidos pela
sociedade, transfigurado em diabinhos, e por isso, uma desculpa para odiá-los e
torná-los marginalizados aos nossos convívios. Serem negros, vir de onde
ninguém sabe e desaparecer sem deixar rastros, usarem um cachimbo e ter mãos
desfiguradas não são meras semelhanças, se não, formas culturais que nosso povo
foi criando para desaparecer com a realidade de crianças desfavorecidas, ou
ainda, quem sabe, de fazê-las lembradas, ainda que por suas peraltices, mas,
presentes na sociedade brasileira.
Esse texto não tem uma pesquisa científico-acadêmica por trás, se não, fruto das reflexões de uma professora classista, tomada a partir das demandas de sua turma. Meninos-sacis de rua estão por toda parte. Basta olharmos seus roda-moinhos de ventos, e o abandono na história concreta de nossa sociedade, cuidado por figuras malévolas, que se favorecem de suas peraltices. As Cucas de nosso Brasil são reais com direito a nomes, uso de armas e colarinhos, e detém poder de formas diretas e indiretas.
Esse texto não tem uma pesquisa científico-acadêmica por trás, se não, fruto das reflexões de uma professora classista, tomada a partir das demandas de sua turma. Meninos-sacis de rua estão por toda parte. Basta olharmos seus roda-moinhos de ventos, e o abandono na história concreta de nossa sociedade, cuidado por figuras malévolas, que se favorecem de suas peraltices. As Cucas de nosso Brasil são reais com direito a nomes, uso de armas e colarinhos, e detém poder de formas diretas e indiretas.
A
lenda do Saci ainda se torna mais real em minha cabeça, ao associar com a
história de meninos de ruas, que andam e sobrevivem em bandos, retratadas no
romance de Jorge Amado, Capitães de Areia. Ninguém os pegava, não sabiam de
onde viam, para onde iam, mas uma cidade inteira os odiava, lhes confinavam a
cadeias, lhes esqueciam ao abandono da própria sorte, esquecendo-se do direito
a cuidados, estudo, saúde, lazeres...
Foto: Autor desconhecido. Local: Distrito Federal. Imagem coletada em busca livre na Intenet. |
Começo
a cada vez mais a achar que toda lenda tem um fundo em si, de verdade, nascida
para obscurecer ou amenizar uma tão dura realidade de um povo. O apelo aqui é
para que tornemos visíveis os nossos reais Sacis, que peraltam por aí, para
sobreviver e reagir ao esquecimento que nossa sociedade lhes força a conviver.
Não
sei se pelo abandono familiar e social a que tem direito uma criança, pelo
cachimbo em suas mãos, ou pela negritude da sua pele, sei apenas que sempre me
simpatizei com essa figura. Tenho limitações quanto ao que fazer. Mas de fato sei, eles existem, e não passam despercebidos
aos meus olhos. Jamais passarão. Eu acredito em Sacis. E o mais perigoso:
acredito em sua juventude!
*Caso queira saber mais sobre o
planejamento bimestral dos conteúdos trabalhados, envie um e-mail para
deise.rocha@hotmail.com. Terei o prazer de fazer uma troca de ideias.