Sou professora. Professora-pedagoga. E muito diferente do que escrevo há anos, quero fazer um desabafo, em linhas que se distanciam da escrita acadêmica. Não quero escrever por citações e apresentar dados. Quero escrever por mim mesma. Quero ousar em dialogar com você, meu caro colega professor e minha colega professora. Quero fazer um desabafo-barra-relato-barra-reivindicação: para além de vestimos preto nessa segunda-feira, como um ato político nacional em solidariedade a nossos colegas professores em luta, é preciso discutir nossa conjuntura política e condição de trabalho, historicamente localizada, enquanto categoria, e os desafios que enfrentamos. E nos unir como nosso maior ato político e pedagógico - e isso requer grandes esforços, e sair da nossa comodidade. Pois nada vai bem... Vivemos em tempos difíceis.
Muito me entristece, mas muito mais me preocupa sobre a situação de trabalho no nosso país, sobretudo, do trabalho docente. E não só porque somos nós os profissionais responsáveis pela formação dos profissionais de outras instâncias de nossa sociedade. Para além disso. Me preocupa para além da luta cansativa, travada desde que se decide ser professor, desde o século XIX, nesse país. Me preocupa pelo direito roubado em ser trabalhador.
Há meses, professores de vários estados e municípios do Brasil fazem reivindicações, essas mesmas, que os professores do Paraná fazem. Há meses, parte de nossa categoria de trabalho se encontra em greve, atos, reivindicações. Há anos, séculos, a bandeira é a mesma. Pensamos que estamos melhorando, que estamos avançando. Mas a verdade é que há muito o que fazer, pois ainda estamos perto da faixa de largada, de onde partimos nesses enfrentamentos seculares.
Demiti-se professores no Pará. Agride-se professores no Paraná. Silencia-se professores em Santa Catarina. Nada se comenta das condições de trabalho dos professores de Pernambuco. Reduz-se do salário dos professores da Paraíba. Denigre-se a imagem dos professores de São Paulo. Corta daqui, reduz dali. Parcela o pagamento no DF. Privatiza a gestão das escolas no Goiás. Só se contrata professor temporário no Mato Grosso do Sul. O Estado fecha os ouvidos para as reivindicações do plano de carreira - em total desvantagem em comparação com as demais carreiras de servidores públicos. E no fundo quando vamos ver, as privatizações estão se espalhando, professores do Goiás e do Rio de Janeiro apanharam da polícia meses, semanas antes que os professores do Paraná. Professores na Paraíba e em Pernambuco tem seus salários parcelados. No Pará, o contrato temporário e a redução do salário reina. São Paulo passa por grandes enfrentamentos para a valorização da carreira, e Mato Grosso do Sul continua esquecido assim como tantos outros. Assim como nosso professorado. No fim, essas lutas não são isoladas. Elas atacam e sucateiam a nossa educação, a nossa profissão, o nosso trabalho. Nossa estima é atacada. Somos nós, professores, os incompetentes.
Andamos em passos de formiga. Temos 10% do PIB brasileiro que deverá ser destinado à educação em 10 longos anos de muita luta do sujeito individualizado chamado professor. Temos um sindicato da categoria, algo proibido para o professorado até o final da década de 1980. Temos um salário piso de R$ 1.917,78, que em muitos estados, nem o teto chega a ser. Temos a conquista de dedicação exclusiva (em poucos estados) para trabalhar 40 horas semanais, com direito a carga de coordenação/preparo do ensino - por sinal, uma das menores no mundo, professor brasileiro tem sido o que mais trabalha - mas que é totalmente usado para exploração econômica do estado. Temos o direito a concurso público, desvalorizado na terceirização e na contratação temporária, facilitando o "jogar" a categoria contra si mesmo. Temos o direito de ir para a rua reivindicar e apanhar de um trabalhador em sua vestimenta opressora, à serviço de um Estado imperialista. E o imperialista não tem servido a um só lado. Apanhamos independente de qual tem sido o partido que governa o Estado.
Temos um ocorrido que vira auge em meio a essa luta: mais de 100 professores atingidos e feridos, numa reivindicação grevista da categoria, na semana passada, em pleno ano de 2015, século XXI. A verdade é que a violência simbólica é muito mais destruidora. Ir dar aula para 35 crianças numa classe de alfabetização sem o menor amparo do Estado para lidar com as diversas "relatividades" da realidade encontrada em cada criança, é uma pura violência. Usar a criatividade para dar uma aula bacana e não ter recurso para executar e ser acusado de que a educação vai a falência por sua incompetência de professor, é uma bala de borracha fácil de encontrar em nosso peito. Jogar vários adolescentes "problemáticos" dentro de uma mesma escola, e dizer ao professor para cumprir sua obrigação profissional, e sequer garante a assistência a uma juventude que não despe sua história e seus problemas sociais ao entrar na escola.
Devíamos estar avançando. Sim, devíamos... Encontrar 15¹ estados deflagrando greve da categoria de professores, não é inédito e avassalador. É revoltante. Apanhar do estado em atos/protestos em que se tem mais policiais do que professores é instigante a pensar concretamente sobre a realidade, para entender o que está acontecendo. E eu me pergunto: o que está acontecendo?
2015 anos d/C (em um calendário Cristão) de luta e vivemos uma sociedade mais truculenta, fundamentalista e sectarista, do que em meados do século XVII, XVIII, onde se lutava para ter alguma voz. Me dói, mas preocupa mais ainda pelo o tanto que somos silenciados no cotidiano do trabalho, mas também, no cotidiano da luta por condições dignas do nosso esforço de trabalho como docente.
A verdade é que vão os dedos e ficam os anéis, porque a economia, o capital, o poder é mais importante do que o sujeito, do que o estudante da escola pública, do que o professor e a professora, trabalhadores por um direito do sujeito em ser sujeito cidadão. Manter a ordem e o progresso a todo custo interpele fazer propagandas enganadoras de que a educação é prioridade, mas corta-se verbas destinadas aos recursos para dar aula e trabalhar no ensino público - e olha só, a educação é sempre a primeira instância social que tem corte de verbas, inclusive, dos salários de seus profissionais.
Vivemos em um Estado que usa de todas as artimanhas e ROUBA DIREITOS. E a quem podemos recorrer quando a instância chega no auge da agressão física, do corte de salários, cortes do direito de viver bem na sociedade do capital, em que os juros do cartão de crédito e da conta de luz não vão esperar o parcelamento em 12 vezes sem entrada e sem juros que o governo faz com nosso meio de viver, como se fossemos produtos à venda nas casas bahia.
As vezes penso não entender nada, noutras, de que não tem o que se fazer. Junto com os dedos, vai a esperança. Faz parte de nossa resistência e luta cotidiana discutir classe trabalhadora do professorado em nosso país. Chego então a resposta de minhas indagações e ponto de partida para combater minhas descrenças. Trabalhadores, uni-vos, o diálogo de uma categoria nunca foi tão mais preciso. Conscientizar-se de que diante do estado de nada tem valido as hierarquias criadas historicamente dentro de nossa profissão, quando a bala de borracha e a bomba de gás lacrimogêneo nos atingem. Todos enfrentamos descasos, todos lidamos com as precárias condições de trabalhos, todos lidamos com um enfrentamento na qual lutamos sozinhos diariamente.
A verdade é que as melhores condições de trabalho são conquistadas por nós. Se não o fizermos, ninguém o fará. Estamos aqui, porque situados em nossa história, são nossas gerações passadas que as conquistaram para que pudéssemos falar. Resistir é preciso, lutar faz parte de nós. Não nos deixemos ser silenciados. Se nos condicionarem ao tempo de greve, a classe precisa fazer por essa escolha. O tempo que se passa em greve, meus caros colegas, não é nada diante de 300 anos de tanta luta que se trava nesse país, por uma educação pública e valorização do trabalho da categoria de professores. Mas é uma somativa importante para nosso processo histórico. Avante em GREVE!
Professores do Brasil, uni-vos. Talvez esse seja nosso maior ato heroico, político e pedagógico. Educação é luta cotidiana. A disputa por consciência e educação é nosso campo de batalhas.
¹Até a data de hoje, o CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação relatou greve nas redes estaduais: Alagoas (PMDB), Amazonas (PROS), Bahia (PT), Ceará (PT), Goiás (PSDB), Maranhão (PCdoB), Pará (PSDB), Paraíba (PSB), Paraná (PSDB), Pernambuco (PSB), Rio Grande do Norte (PSD), Rondônia (PMDB), Piauí (PT), Santa Catarina (PSD), São Paulo (PSDB). Os estados destacados em azul já se encontravam em greve, antes da agressão da polícia de Richa (PR) aos professores em greve.
² A imagem ilustrativa deste post foi coletado livremente na Internet.
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